PESTANEJAR (É PRECISO)


Ver e não poder esquecer.

CAIXA DE SEGREDOS


Tenho uma caixa só de imagens. Tudo o que guardo nos olhos e me faça bem e me faça dor, chego ali e guardo. Na caixa. Algumas de tão grandes, dobro-as, mas sem vincos, apenas levemente ajeitadas aos cantos da caixa para que caibam lá dentro. Outras, de tão pequeninas, junto-as fazendo um montinho, assim não se dispersam. Tenho uma caixa só de imagens. Nunca me separo dela. Algumas imagens têm tantos anos quanto eu, mas mantêm-se frescas como se as tivesse olhado hoje pela manhã, ainda com orvalho. Há outras porém, que envelhecem tão rápido que só me fica o amarelento da sépia, rostos que se esbatem. Tenho uma caixa só de imagens que é só minha, porque o olhar foi o meu.

NINHO DE LEMBRANÇAS



TUDO O QUE VEJO ENCASULO NA MINHA MEMÓRIA.

O PASSEIO



A inconsciência do passeio levou-o até lá. Não que o evitasse, mas a vida abre rumos por outros lados e os polos passam a ser apenas metades subjectivas de um meridiano que se traça por dentro, uma decisão, um precisar de fazer.


Nesse dia, nada para fazer além de gastar tempo no passeio. Voltou lá. As paredes perdidas na cor dos anos desbotavam-se até às ervas daninhas rente aos pés, líquenes a meio, musgos a espreitarem pelo forro do telhado esburacado a céu aberto. Até um malmequer vadio de olho muito amarelo se abusava da antiga casa.


Não lhe doeu o coração por a ver assim. Magoou-se mais ao lembrar-se de si, ao ver-se rir nos jogos de apanhada e escondidas. Até se encarou e sorriu ao miúdo que fora de si. Cerrou os olhos e seguiu o passeio sem olhar para trás.

LAVAR (OS OLHOS)





Cerrar os olhos.



Lavar o mundo da fealdade.

VER E NÃO QUERER


Olhou-se e de seguida cobriu o rosto com as mãos, não que o reflexo no espelho o assustasse ou porque a tristeza lhe falava. Apenas e tão só porque quanto mais evitava lembrar-se dela mais a vía. Imaginada.

DAS PALAVRAS QUE ME VÊS CONTAR



Estás a ouvir-me?

A prestar atenção ao que te digo?


Então olha para mim, nos meus olhos, não pestanejes, não desvies a atenção para o canto ou para o tecto só porque te falo com a boca e os meus olhos te gritam, é urgente, é vital que me sigas, que notes no aquoso da cor todo o sentir que as palavras saídas em notas inflexivas não sabem dizer, nada, nada sai da boca sem antes os meus olhos te dizerem, aferirem, confirmarem.


Agora calo-me, quedo-me pelo som tremendo que a olhar te faço abalar...

O MEDO



O medo cola-se ao corpo, sua-se, alaga-se descompassado entre sangue e fluidos estranhos que tingem a cabeça de desnorteios sem noção do abismo, da vertigem , da alucinação parda que atira com o corpo para o fundo letal, escorregam mãos entre nervos e tremuras, arranhões a pedras lisas, cordas frágeis e cortadas que não amparam mais nada senão a queda no grito a fugir pelo som esvaído.


Mas dos olhos... fica o pânico. Tatuado.

ENSAIO



Coquette.


A vida pedira-lhe provas e ela há muito que ensaiara maneiras de a enganar. E aos que vinham à procura de fantasias, magias, gestos inesperados como luz no escuro. Ela sabía como fazê-los vibrar, o toque certo no lugar palpitante, a emoção à distância de um dedo escorregado a dedilhar prazeres escondidos.


Coquette.


Quando a noite terminava e o dia bocejava ainda, saía de palco, tombava a personagem meio vestida, meio despida e arrancava a mascarilha que misteriosa sempre usava. Ensaiara tudo, tudo, menos o olhar que não enganava.

LINGUAGENS



OLHOS FECHADOS NÃO SÃO NECESSARIAMENTE OLHOS SILENCIOSOS

FOTOGRAFIA DE GRUPO


Um dia alguém há-de desencantar esta fotografia num fundo de gaveta com cheiro de naftalina entre papéis que pelo tempo perderam as letras na cor de quem os escreveu.
Tentarão decifrar rostos e dar-lhes identidade, gostos e manias, parentescos mais ou menos próximos com um tio louco ou um antepassado bizarro que se perdía nos tempos livres, pelo gozo da imagem capturada.
Farão troça das roupas, dos cabelos, da pose e a pergunta sobre a razão de tal fotografia será mote de conversa por algum tempo.
Mas não se lembrarão decerto, que aquele foi um fragmento do olhar de cada um dos figurantes, que todos de sorriso postado tinham um sentimento dentro do peito e que a alegria que exibem não faz a alegria de quem os vê agora.

NÃO ESTAMOS SÓS


Além, mais além do que tudo o que se possa ver há outros olhos que nos veem para este lado. É dessa forma de nos observar que surge tanta beleza aos nossos olhos, por cada pestanejar um por-do-sol, um anoitecer, a madrugada que se levanta e chama o dia para nos iluminar.
Além, muito mais além, há olhos que cuidam para o sal dos nossos nunca secar.

OLHOS QUE GRITAM



Daquela vez ainda gritava fúria, sentido, toda uma explosão mal contida pela garra que lhe arranhava as entranhas revoltadas.


Quando a voltei a encontrar a fera estava domada. Mal, que atirava o olhar magoado com a indiferença dos que passavam.

NÃO SEI...


Não sei porque razão os meus olhos abrem cortinas em sonhos brancos, em paisagens sem nada, os enchem de ruídos, insectos, cavalos, até eu lá dentro em passos de dança, em risos de louco por conseguir ver tudo, e acrescento-lhe árvores, janelas e chuva, tudo em grande no devaneio do gosto, depois chamo-te a mim, gargalho de vermos juntos as mesmas cores, os mesmos sons!
Não sei porque sonho tanto... o olhar és tu.

FIM DE TARDE



Deixou-se ficar adormecido nas memórias da despedida. Aniversários de um adeus lá tão longe que pouco mais do que os olhos molhados conseguía recordar. Tanto tempo. E nem mesmo o tempo lhe conseguira secar os olhos dela no seu peito, aquela água toda como chuva que escorre do céu. Naquele fim de tarde ela choveu, o céu dela desabou dilúvio. Ele afogou-se.

DO QUE LEVAS DE MIM

Vou marcar as imagens do meu mundo nos teus olhos. Chamar-lhe-ás memória. Hei-de pintá-las de todas as cores que conheço e até mesmo com as que gosto menos. Chamar-lhe-ás recordação.


FADAS&BRUXAS



Enquanto houver sonho e vontade, hão-de existir fadas e bruxas, dois lados de um mesmo mundo, não necessariamente apertado entre o bem e o mal.


Hão-de haver olhos que conseguem vê-las mesmo na escuridão de um quarto apagado ou no meio dia de um Verão Agostinho, de fazer da trovoada brincadeiras de feitiços de bruxa ou das algas do mar cabelos de fadas que se penteiam.


Hão-de haver olhos puros e olhos fechados, lágrimas de felicidade e também as de saudade.

Aos outros resta-lhes morder a língua.

INTERVALOS


Há intervalos na minha realidade que são espaços que pinto de sonhos. Faço de conta que sendo só meus mais ninguém os sente como eu e mais ninguém tem poder sobre eles. Afinal são o meu sonho. As minhas linhas que posso preencher a nada ou das cores que eu quiser. Inventar pessoas para os tornar ruidosos ou deixar que uma folha seca tombe para quebrar o enredo do sonho. Que sendo sonho, preencho-os tanto quanto a realidade que desejo e nesta mistura rica não sei onde me encontro. Se do sonho a preencher se do olhar que perco na linha do horizonte.

CEGUEIRA


Apercebe-se agora, lentamente, da sua redutora pequenez. Cegueira. Dos anos enrolados em preocupações de rigor, regras, leis e fundamentos sem noção artistica alguma. Da falta de poesia. Das horas paradas num silêncio pastoso em que não disse amo-te. Teve vontade mas não o disse. Da compostura hirta de não se zangar. De dormir a horas certas. De não lembrar dos sonhos nem dos pesadelos. De fechar os olhos ao Sol e fechá-los por ser tempo de Lua. E agora que está só a cegueira ilumina-a com tantos olhos que não tem tempo para guardar tudo.

OUTROS OLHOS


Fotografia de 1963, René Burri

CALAR OS OLHOS

Pára um momento e olha para mim, senta-te, ouve-me, escuta o que tenho para te contar, tanto tempo sem me ouvires, sem me dares um pouco de atenção nas coisas pequenas que me afligem, sabes o que me aflige? tu fugires sempre dos meus olhos, dizeres coisas na passada sem olhares nos meus olhos, lembrares a cor deles e como mudam do verde para o cinza quando me deixas sózinha com a resposta que calo, não vale a pena falar-te se não me ouves com os olhos, por isso não digas que me silencio, diz antes que fecho os olhos.

DETALHES


Passado algum tempo ainda permanecem sons, cheiros, a forma de andar. Depois, o arrastar inexorável das horas muitas leva o grosso e ficam os detalhes, na verdade, o que resta mesmo é o que é importante, são os detalhes. Aquelas memórias que fotografámos com uma intensidade tal e que tantas vezes nem nos apercebermos, é o sumo do que realmente nos impressionou, aproximou ou afastou, o que retivémos para que de uma forma eterna não se nos apague. E desses detalhes com tanto pormenor retém-se a saudade como água parada numa cova depois de chover.

LUZES DO SENTIR

Determinei que hoje não te choro. Virei sim, como de todas as vezes, olhar o mar, deixar-me perder na sua imensidão, ver-me afogar nele e nada fazer para me recuperar das águas que me invadem a fala, o pensar, as memórias e as saudades.


Determinei que hoje não te choro. Virei sim, como de todas as vezes, acenar de lenço branco a naus de outros séculos que apenas conheço do contar e sem esforço, sentirei pimentas e canelas, cacaus e suores na despedida de todos os homens que invento para não me lembrar de ti.


Determinei que hoje não choro. Virei sim, como de todas as vezes, encostar-me ao silêncio e esperar. Virei, prometo. E nos meus olhos haverá farol.

CALEIDOSCÓPIO


Duma fatia fininha de pequenos pedaços de vidro fiz um caleidoscópio rosáceo. Cada vidrilho é um sonho que tem o meu nome. Depois projectei-os num espelho mágico e progredi na arte de inventar. E de cada vez que olho uma nova forma se espevita e encaixa, mais mil sonhos imagino numa profusão de cores juntas que se acasalam e misturam e novas cores e outros sonhos emergem das noites escuras.

MEU

Podem procurar-me segredos, enredos, boatos, mexericos e dissabores, fama, tralha cor-de-rosa, amores escondidos, destinos trágicos, corrosões, erosões, pecadilhos, desvios, trejeitos, defeitos e aleijões, saquem-me TUDO, atirem-me TUDO!

Que uma coisa eu garanto:


AQUILO QUE VEJO É MEU



MULTIPLICIDADES


Sempre vi em mim outros melhor e melhores do que eu.

GRITOS MUDOS


E para qualquer ângulo que se voltasse lá estava o olhar a cristalizar atenções, pobre de tantos séculos a gritar ao cuidado dos que passavam e lhe sorríam mas não queríam saber dos seus tormentos.

INVERSOS



O inverso que se fotografa nos instantes em que se prende o olhar ao olhar de outrém deixa uma impressão a negativo que se revela rápido e por vezes tem a durabilidade de uma vida.

Já me cruzei com olhos por segundos e uma única vez, que ainda hoje recordo com a mesma intensidade e disparo do coração como no momento. São sensações de exclusividade, intimidade e grandeza que aporto para todo o sempre.

Falam os olhos milhões de palavras nesse frémito tão curto e avassalador...

São os inversos, o que não se procura argumento ou defesa do tanto que nos oferecem e do tanto que nos levam.

RASGAR JANELAS EM MIM



Todos os dias rasgo janelas às minhas manhãs. É como abrir o peito, a vontade, o braço empunhando os sentidos. Gosto de as escancarar, avistá-las de longe no dominio da paisagem ardente ao novo sol ou da chuva que veio lavar o mundo. Gosto de as observar nos detalhes, na coisa perdida como se não pertencesse ao enquadramento, achá-la simples por parecer que não faz falta, encontrar-lhe um antes e um depois.

Há sempre um antes das janelas abertas, da voz que se cala, dos olhos que se fecham à maldade, da violência da solidão.

Há sempre um depois das janelas abertas, o som do coração, a boca que pede palavras, o poema do poeta.

Todos os dias rasgo janelas. Só assim me posso querer, só assim posso acreditar.

SAL MQB



Para dentro de mim. Dos sonhos. Do que não consigo. Do que já vi e guardei também. Dos voos intermináveis sobre cordilheiras e escadarias em caracol. De amores que nunca conheci e dos que me arrebataram até os recordar até hoje. Das várias mortes, sustos, pulos, sobressaltos, lutas e vitórias. Tudo já defrontei. Tudo já vi. A cores, milhões de cores. Porque tenho sal nos sonhos.

EXIBIÇÃO



Ainda a vejo... basta-me acercar da janela e olhar para lá. Ainda a vejo a namorar olhares que se pregavam como cruzes pela noite solitária, entre copos de vermute e luzes encomendadas a fingir luas românticas e miadas em vadios animais de gravata e alfinete partindo janelas abertas à espera de ser olhada.

PRENDER



Tocaram-se nas mãos, no abdómen colado, no peito tocado. Ele levou-a ao sabor da música, ela do ritmo do que por ele sentía. Num passo parado deram tempo. Tempo. Olharam-se e seguraram a eternidade.

VONTADE DE TE VER

Pareceu avistá-la no meio de tanta gente, uma quase certeza de que sería ela, sim sem dúvida, o perfil era o dela, por muitos anos que passassem aquele rosto estava impresso na sua memória.


Dedilhou lembranças para aproximar o contorno da boca, o traço do nariz, a fronte como um espelho, os anéis de cabelo que lhe fazíam cócegas no pescoço. Pestanejou, deixara de a ver, ainda agora aqui, tão perto dos olhos, do trazer ao presente... e num instante a realidade madrasta leva para longe o que lhe aqueceu o coração.


Não voltou a encontrá-la no meio da multidão, desaparecera como uma miragem, até talvez o fosse, ou então foi uma vontade de a rever, saber dela, ouvi-la, vê-la perto tão perto que a pudesse tocar com o olhar.

PLANOS



PLONGÉE





CONTRE-PLONGÉE

OLHAR PARA TRÁS





Hum... Não estava certa. Pelo menos com toda a garantia. Mas tinha visto. Tudo. Até guardara os melhores pedaços para se recordar quando estivesse triste ou até muito contente. Não estava certa, já tinha passado tanto tempo, agora até achava algumas cores mais vivas embora o tempo as devesse ter desmaiado, mas não, era ao contrário, e o mesmo se passava com o som das imagens que vira, arrecadara tudo, apanhara tudo com os olhos como se estes fossem uma rede e capturassem presas vivas mantendo-as no cativeiro da lembrança. Olhava para trás, pensava em coisas de há muito tempo que os seus olhos havíam visto.

OUVIR TUDO



OLHOS À ESCUTA...

O QUE VEMOS (NÃO) SOMOS (?)

Tudo o que vemos não é o que somos.


São filmes projectados do que gostaríamos que os outros fossem. São sombras chinesas que ensinam ao olhar que por vezes o mais profundo não é o que se vê, é o que emana do que se projecta ou atira numa parede branca, o que se estica em silhuetas para a frente sob o luar ou a pino às nossas costas derretendo o astro do meio dia.


Tudo o que vemos são pestanejares rápidos e entrecortados de movimentos ao sabor do compasso do coração.


Não há certezas sobre o que vemos. Pois se até do sal do olhar muito mel se recolhe.

NA PONTA DO MEU SONHO



Na ponta do meu sonho existe um campo, verde. Sempre verde. É um tapete verde que nunca muda de cor, que nunca muda de primavera, de pequeninas flores amarelas que parecem bolinhas de ouro. No meu campo de sonho há uma árvore. Também verde, muito verde. Dá me sombra e encosto enquanto olho o meu campo verde. Enquanto adormeço e sonho que na ponta do meu sonho existe um campo, verde. Fecho os olhos, desperta, e lá está ele.

CADA VEZ



De Todas As Vezes Que Me Dizes Amo-Te O Teu Olhar Molha-Me De Cores Inventadas

CHÁ DAS CINCO


Ficou presa entre o ritual e o ritmo do relógio de sala. Chá das cinco, Early Grey, bolinhos para companhia. Quente este afecto da chávena na mão ímpar. Verte-se o olhar pelo chá das cinco, debruça-se delicadamente por todos os golinhos engolidos na dobra da hora, vê-se, mira-se na solidão do olhar temperado a gotas de limão, nada adoça o silêncio isolado entre si e nada mais haver, nada mais por beber, nem mesmo outro olhar na ponta da mesa.

A GRANDE VIAGEM

Quanto tempo havía passado? Só o conseguía medir pelos livros gastos sob os olhos da noite, atentos, pisados de tanta insistência em querer andar, saber, conhecer tudo o que conseguisse, viajar mundo fora sem o limte dos pés ou do horário de combóios atrasados.

Deixara-se envelhecer como o amarelo das folhas muito passadas pela ponta dos dedos, o fato a crescer-lhe no definhar do empate corpóreo. Afinal só precisava de se rechear de tudo aquilo que os seus olhos pudessem aprender nas passagens demoradas pelos desertos ou pelos mares descobertos em lambidelas de istmos rochosos, conquistar saberes para os levar quando fizesse a grande viagem. Por fim, cansado, abriu uma caixa de lápis e bebeu todas as cores expostas. Encarou-se, temperado a dois tons de branco e negro. E percebeu que outros tons, outros olhares só noutro sitio, que aqui já soía.

TRUQUES





Aqui é onde os olhos se enganam. Onde tudo é pailletes, lantejoula, brilho e carmim. Onde os olhos parecem abertos e afinal estão pintados de cerrados. Onde o coelho branco é um lenço e a vista acha flores na mão do mágico, na varinha de condão que não passa de uma corda. Cobra. De ver tudo o que não é.


Ou é?


Truques que os olhos pregam...

OUTRO OLHAR

EU TAMBÉM TENHO OLHOS AQUI:


PRIMAVERAS DO OLHAR


O que denomina a beleza de um olhar não é tanto a sua cor ou a maquilhagem cuidada no das mulheres ou o ensaiado no engate dos homens. É muito mais o que ele reflecte enquanto capacidade para enfrentar, fixar e transmitir. É a revelação do que lhe vai por dentro que isto em boa verdade, os olhos mudam de cor e até passam do negro profundo ao azul água sem esquecer que embora não se apercebendo o estado de alma pode muitas das vezes atravessar o ensanguentado vermelho de raiva. Não temer o que traduz um olhar ou encarar o alheio, assumir a sensibilidade de uma água salina ou ainda o cerrar de olhos pelos opostos de beleza e crueldade é sinal de plenitude e sabedoria do próprio, paz interior e partilha de emoções. É por isso que há olhares que nunca esquecemos e que mesmo vincados pelos sinais do tempo a sua frescura nos lembra uma manhã de Primavera.

CUBRO-ME

ESCONDO OS OLHOS

NÃO TAPO O QUE DÓI

OLHAR O TEMPO

Por vezes abría a janela do passado e deixava-se ficar a olhar para ele, muito calado, silencioso no temor de despertar recordações que lhe fizessem reviver amores perdidos e a saudade à solta o capturasse de novo.
De outras, sorría. Olhava-se menino, a achar-se grande no seu tamanho pelos sonhos que já trazía para um futuro que agora é passado. De soslaio mirou planos, quereres fazer, um dia faço, um dia sou, ainda hei-de conseguir...
Encostou as portadas devagar, fechou os olhos e sentiu-se só nesse mergulho no tempo.