ALÉM-OLHAR

 

 
Havia um silêncio nos olhos tão igual às poucas palavras que sempre proferia. Tudo o que dizia era o suficiente para resposta, poucas demandas, apenas e só o bastante para o seguimento da vida. Não demonstrava contrariedade, sofrimento, dor intima ou compaixão por outros, os olhos estavam abertos pela luz do dia e sossegados no fecho das pálpebras quando o sono a recolhia.
Achavam-na sem emoções, nem mesmo contida que para isso era preciso ter havido um frémito ou um rubor e dessas coisas nunca ninguém lhe tinha visto sinal.
Tão pouco a água de lágrimas, tivesse sido por riso ou pela morte de parentes.
Mas deram com ela, num ano perdido de muita neve, as duas mãos presas a um Atlas e os olhos a sorrirem como não lhe haviam visto nos lábios. As páginas abertas mostravam desenhos de ilhas de calor e palmeiras, pequenas naus a lutarem com monstros marinhos e sereias encantadas a louvarem o mundo dos mares.
 

ESTE É O Nº 17!!!

 


ESPERA AÍ QUE JÁ ME AGARRAS!
 

LER

 


Do olhar, do meu olhar, do sal que lhe ponho nas palavras que não direi articuladas pelos lábios mas exclusivamente pelo tanto que do reflexo das tuas em som os meus olhos te respondem, dir-me-ás se é o bastante para se fazer diálogo. Que afinal, nestas coisas do amor, dizem, não são precisos discursos e um até completa o outro ou até mesmo, entendem-se sem nada dizer apenas pelo olhar, mas quero eu que tu me leias e do salino resultado algum doce temperes ao verbo. Sejam palavras ou a água com que choro.

GÉNIOS

 


Há olhares únicos no Universo. Raros. Não têm cor, apenas adjectivo. Pertencem aos génios. Para deleite.

PODEROSA[MENTE]

 

 
POR DETRÁS DO TEU OLHAR
 
 HÁ O MEU
 
A ILUMINAR
 
quem consegue ver?
 
 

O RECADO

 


Abriu muito os olhos. Talvez não se tivesse dado conta desse facto, porque se assim fosse, ter-se-ía mantido de rosto sereno, os lábios colados, os olhos singelamente abertos pestanejando para manter a humidade necessária à sua lubrificação enquanto lía o recado. Uma nota de nada, uma pequenina nota rabiscada à pressa, sem beijos na despedidas ou votos de felicidade no futuro, um papel rasgado no aproveito de uma folha esquecida sem serventia a outra cousa, um apontamento de última cousa a ser feita porque do resto tudo estava feito. Abriu muito os olhos ao reler o papel. Ainda tinha os olhos muito abertos quando o amachucou rápido, encostou no meio dos seios e depois ainda mais rápido o deitou ao chão, afastando-se para longe. Depois agarrou o pedaço de papel amarrotado, desdobrou-o e tapou o rosto com ele, não quería que ninguém notasse os seus olhos muito abertos na surpresa da despedida.

MEMÓRIA

 


Aparentemente nem prestara atenção. Observando, refira-se. Olhou, depois pestanejou humedecendo o claro da vista. Certamente não havia reparado. Ou melhor, nada ouvira. Que os olhos também ouvem e por vezes tão melhor que os ouvidos, tanto que respondem no imediato quando os lábios se apertam nas palavras silenciosas. Decerto não vira.
Pestanejou de novo. Depois fechou os olhos longamente.
Guardava o rosto com as palavras ditas. Tatuava-se no claro dos olhos de cada sílaba magoada. Chamou-lhe memória.
 
 

HÁ (OLHARES) MAIS

 


Há mais entendimento neste ver que muitos olhos abertos de outros olhares, que este prefiro-o pela sua natureza pura de atacar quando perigado, amoroso quando precisado, fechado quando dorme e aninhado em quem confia. Olhos de alma pura, tão racionais como o que de essência lhe são.
 

NEM METADE

 

 
Se metade do olhar é visto, apenas meio do todo se entende? Dizem que os olhos são as janelas da alma mas quando fechados, como entender o que vai dentro desse cómodo tão secreto que por vezes até o dono se incomoda com o que por lá habita que encerra a sete chaves para que nada se escute sobre as vozes dos seus inquilinos? E aberto o olhar, até rasgado o olhar, quanta da verdade se lê na mentira que possa afirmar-se que uma é outra e a outra não o é?
Por isso, repito: Se da metade do que se vê outro tanto igual será?

REPRODUÇÕES

 


Analiticamente falando, geometricamente reproduzindo, coloridamente brilhando.

 
 
Como se faz à poesia do olhar?

POSES

 

 
Só mais uma, anda, agora para mim, vira para cá, olha para lá, diz que me amas, que gostas de todos, congela o teu olhar por mil anos nesta fotografia e não pestanejes um só segundo, é que precisamos desse azul imóvel, plácido e sem turbulência, sem uma única ruga, mas com muito amor, muito sorriso rasgado no arco a subir, vira para nós e dá-nos tudo, não guardes nada para ti, não sejas egoísta e faz por merecer toda a luz que acendemos a tua vida.
 

SEGREDOS



Olhou e viu.
E todas as imagens se imprimiram como letras de tipografia em papel muito branco, as letras muito negras, para que jamais se esquecessem da sua lembrança.
No título chamou-lhe segredo.
Arquivou as páginas junto a outras que já tinha e guardou-as na sua memória.
De quando em vez li-as na solidão da sua alma, vagarosamente, mas sentía o coração ora agitar-se furiosamente ora descompassar-se até parecer ficar sem ritmo e abandonar-se a um alto de carne.
E por todas as vezes que pestanejava era como se o olhar dos segredos lhe voltasse todo como a roda da tipografia a girar de novo e a imprimir as letras a negro em papel branco.
Por isso, resolveu achar um par de olhos que olhasse nos seus, a fundo e a quem pudesse contar os seus segredos.