O QUE SE É/O QUE SE VÊ


A brisa veio empurrar docemente as janelas entreabertas. Arejou-se nos cantos do quarto, acomodou-se pelos cortinados, soprou-lhe no cabelo molhado segredos que parecíam cócegas.
Na tranquilidade daquele silêncio tudo parecía estar certo, arrumado, o mundo no seu lugar e no entanto, essa serenidade calada lembrava-lhe a solidão de cada manhã em que ao olhar-se no espelho não vía a figura dele reflectida, o cachimbo fumegando entre letras de jornais devoradas a pé, de um lado para o outro.
Vía-se a si e ao quarto. Não vía as brisas acomodadas a perturbarem-lhe o pensamento mas sentía que daquilo que vía da sua silhueta não era o que lhe corría por dentro. É que nas suas veias passavam-lhe memórias de calor de mãos, troca de olhares, murmurios não percebidos na intenção da pergunta repetida, que dizes, que dizes...
Hoje não diz nada, desembaraça o cabelo molhado e apenas vê uma mulher que não conhece.

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