O RECADO

 


Abriu muito os olhos. Talvez não se tivesse dado conta desse facto, porque se assim fosse, ter-se-ía mantido de rosto sereno, os lábios colados, os olhos singelamente abertos pestanejando para manter a humidade necessária à sua lubrificação enquanto lía o recado. Uma nota de nada, uma pequenina nota rabiscada à pressa, sem beijos na despedidas ou votos de felicidade no futuro, um papel rasgado no aproveito de uma folha esquecida sem serventia a outra cousa, um apontamento de última cousa a ser feita porque do resto tudo estava feito. Abriu muito os olhos ao reler o papel. Ainda tinha os olhos muito abertos quando o amachucou rápido, encostou no meio dos seios e depois ainda mais rápido o deitou ao chão, afastando-se para longe. Depois agarrou o pedaço de papel amarrotado, desdobrou-o e tapou o rosto com ele, não quería que ninguém notasse os seus olhos muito abertos na surpresa da despedida.

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