ALÉM-OLHAR

 

 
Havia um silêncio nos olhos tão igual às poucas palavras que sempre proferia. Tudo o que dizia era o suficiente para resposta, poucas demandas, apenas e só o bastante para o seguimento da vida. Não demonstrava contrariedade, sofrimento, dor intima ou compaixão por outros, os olhos estavam abertos pela luz do dia e sossegados no fecho das pálpebras quando o sono a recolhia.
Achavam-na sem emoções, nem mesmo contida que para isso era preciso ter havido um frémito ou um rubor e dessas coisas nunca ninguém lhe tinha visto sinal.
Tão pouco a água de lágrimas, tivesse sido por riso ou pela morte de parentes.
Mas deram com ela, num ano perdido de muita neve, as duas mãos presas a um Atlas e os olhos a sorrirem como não lhe haviam visto nos lábios. As páginas abertas mostravam desenhos de ilhas de calor e palmeiras, pequenas naus a lutarem com monstros marinhos e sereias encantadas a louvarem o mundo dos mares.